terça-feira, 15 de junho de 2010

Muamba, de Chico Faganello

É sempre um risco fazer uma avaliação apressada de um filme. Mesmo assim, é possível arriscar algumas considerações. Assisti Muamba, de Chico Faganello no FAM e vou investir numa observação das especificidades do longa. O primeiro ponto de toda esta questão talvez seja estabelecer a pergunta: Do que Muamba trata?
A despeito de uma leitura anterior que fiz de um dos tratamentos do roteiro e de qualquer intenção do diretor, o que interessa como crítica é o objeto fílmico. A narrativa exibida na tela me estabeleceu uma trajetória de protagonistas em desatino. São personagens de uma fronteira não identificada e sem uma marcação temporal.
Ao optar por esta leitura, talvez enviesada, passo a expor alguns parâmetros. Como vivemos em um mundo repleto de sinais complexos, ambíguos e fragmentários, é preciso pontuar mais uma vez a questão: que filme é esse? E a resposta que me ocorre novamente é a de um filme ao redor de personagens extraviados.
Personagens perdidos na contemporaneidade, na falta de perspectivas diante da vida traiçoeira e leviana. O que vejo no filme de Chico Faganello é a densidade das incertezas, tratada à exaustão em um roteiro que, especialmente a partir da metade do filme, instituí uma completa falta de conexão.
O personagem principal é um jovem, um sacoleiro, que vai do início ao final do longa na tentativa de fundar o seu próprio território, especialmente quando empunha uma câmera e tenta decifrar o filme de sua vida, que se desdobra numa seqüência de velórios de familiares e ao mesmo tempo nos faz pensar: quem está sendo sepultado? Ou quem é o personagem que se quer sepultar?
Sepultar aí pode ser uma razão essencial. Pode ser o sepultamento de uma trajetória indesejada. O filho quer recusar o pai. O pai é um personagem cruel, um canalha e ao mesmo tempo evidente em todas as suas fragilidades, mas que permanece forte na figura paterna.
Muamba, que até a metade, pode ser considerado um filme cronológico, passa a oferecer uma narrativa dissolvente. Descontinuidade e corrosão ganham mais propriedade na simbologia, que se acentua nos sacrifícios de animais, no esgotamento de inúmeras aparições de insetos. São metáforas da fragilidade e dos sacrifícios impostos pela vida?
Neste momento é mais prático retomar o filme como uma intensidade de contrasensos, de disparates, mas é justamente nesta altura que se pode atribuir um caráter a Muamba, nesta multiplicidade de interpretações que nos faz crer que cinema é abstração. No entanto, a depreciação desta leitura ocorre na virada do filme, que estabelece uma seqüência inverossímil, em que os personagens perdem a verdade que lhes foi imputada desde o início.
Nesta sequência de Muamba, em que o pai renega a eventual nora, a narrativa embota o ânimo e nos faz desacreditar de qualquer proposição do diretor. Se ao mesmo tempo é compatível a falta de linearidade, por outro lado o filme enseja um desencanto, e se perde da própria gramática, estabelecida no título Muamba, que poderia nos oferecer uma chave para leitura.
Sob este aspecto, a velhacaria e a fraude da vida em um cenário de submundo, poderia ganhar mais força, mas esta voltagem também é deficitária. A equação para o conflito de personagens em uma situação crítica talvez fossem as rupturas, mas elas não ocorrem. E quando estão prestes a ocorrer, o efeito na tela é de uma história que se perdeu da própria verdade.

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